Conversando com a dona da aldeia onde ficamos, entendi que havia uma cumplicidade "admirável" entre os moradores, que trataram de vender ingredientes bons apenas para os restaurantes, para que se criasse um ciclo de consumo que ajudaria a todos os cidadãos locais. Depois de muitos dias esperando cerca de 2 horas por refeição, acabamos descobrindo uma maneira de "burlar" a regra que nos impedia de fazer qualquer coisa mais elaborada que sanduíches quentes e omeletes. Algumas garotas faziam a limpeza diária de todas as cabanas da aldeia e foram elas, moradoras locais, que acabaram salvando a pátria.
Naquele momento, uma luz pairou sobre nós e voltamos a sonhar com um grande jantar de final de ano. Conversamos com uma das meninas e chegamos num acordo pra que ela fosse até a cidade vizinha e conseguisse alguns ingredientes pra gente. Passamos um tempo na praia e, quando voltamos, um grande peixe cavala nos esperava acompanhado de salsa, cebolinha, tomates decentes, cebolas novas, batatas, ostras e mais uma sacolada de outros ingredientes. Quase caímos de joelhos em prantos com os braços pro céu. O sentimento era de gra-ti-dão!
Então, Bam-bam (grande amigo escudeiro da cozinha) e eu, tratamos de começar toda a função do jantar. Ele se responsabilizou pela moqueca de ostras, acompanhada de bananas da terra, pirão e arroz (foi isso mesmo, hermano? Me ajuda, pois a bebida me roubou a lembrança...), enquanto eu tratei de enfrentar o peixe e os legumes. Não tinha muita idéia de como preparar, pois não havia uma infra-estrutura que permitisse um mundo de possibilidades, o que me fez preparar o primeiro peixe assado na brasa, envolto de folha de bananeira e acomodado sobre telhas no fogo.
No fim das contas, em meio a bebedeiras, fumaças das mais variadas espécies (lembrem, havia fogo lá!) e risadas altas, acabamos nos deparando com um jantar delicioso, cheio de gente boa reunida em torno de uma mesa bem decorada com folhas de bananeira, castiçais improvisados e flores. Digno de um orixá! Terminamos o jantar já bem altos e fomos rumo à praia onde ia rolar a festa de ano novo. Passamos a virada no meio do caminho, à beira-mar, abaixo do céu mais maravilhoso que qualquer astronauta possa imaginar. Quando chegamos na festa, tratei de ir logo ao bar. Algo me dizia que eu não duraria muito tempo. Dito e feito. Tava tão cansado de preparar a comida, correr atrás de telhas e tudo mais, que entortei a caneca e, em menos de duas horas, tava dormindo debaixo de uma árvore em meio à uma multidão de gente louca e animada.
Acordei descabelado com a ajuda de amigos, que também não estavam no seu melhor estado. "Xiiiii, hora de voltar pra casa, mais duas praias pela frente pra andar...". Deus me deu um peteleco na orelha ou não sei, mas fui tomado por uma energia arrebatadora, que me fez ir até em casa chutando água, dançando pro mar, saltitando e virando piada da multidão que seguia acabada pra casa. Terminei o evento com meia dúzia de lembranças, uma contusão no pé de ter chutado um monte de areia e muita risada das histórias que surgiram na roda de amigos que se formou logo em seguida que todo mundo acordou. Foi um amontoado de pequenos desastres, mas que resultou em um final de ano pra lá de bom! O que me fez acreditar ainda mais que o imperfeito é o melhor ingrediente pra se viver algo inesquecível.