sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Bahia: fiascos e glória no mesmo barco

Saí de São Paulo com uma bela garrafa de azeite extra virgem na mochila, empolgado pelos pratos que poderia preparar na Bahia. Lagostas saindo da água direto pra panela, fartura de peixes, legumes e verduras, frutas, leite de côco, temperos desconhecidos... tava seduzido pelo oceano de possibilidades que surgiam a cada segundo na minha cabeça. Fiz promessas, envolvi amigos e fui sabotado pela míngua baiana. Cheguei em Moreré e tratei de ir direto aos mercadinhos locais pra ver o que encontrava e fui recebido por tomates detonados, cebolas velhas, pimentões murchos e prateleiras de comida processada e empacotados de salgadinho e porcarias da pior qualidade. A depressão caiu como uma pedra na minha cabeça. Cheguei na cabana onde eu e meus amigos ficamos instalados arrastando as chinelas de tristeza.

Conversando com a dona da aldeia onde ficamos, entendi que havia uma cumplicidade "admirável" entre os moradores, que trataram de vender ingredientes bons apenas para os restaurantes, para que se criasse um ciclo de consumo que ajudaria a todos os cidadãos locais. Depois de muitos dias esperando cerca de 2 horas por refeição, acabamos descobrindo uma maneira de "burlar" a regra que nos impedia de fazer qualquer coisa mais elaborada que sanduíches quentes e omeletes. Algumas garotas faziam a limpeza diária de todas as cabanas da aldeia e foram elas, moradoras locais, que acabaram salvando a pátria.

Naquele momento, uma luz pairou sobre nós e voltamos a sonhar com um grande jantar de final de ano. Conversamos com uma das meninas e chegamos num acordo pra que ela fosse até a cidade vizinha e conseguisse alguns ingredientes pra gente. Passamos um tempo na praia e, quando voltamos, um grande peixe cavala nos esperava acompanhado de salsa, cebolinha, tomates decentes, cebolas novas, batatas, ostras e mais uma sacolada de outros ingredientes. Quase caímos de joelhos em prantos com os braços pro céu. O sentimento era de gra-ti-dão!

Então, Bam-bam (grande amigo escudeiro da cozinha) e eu, tratamos de começar toda a função do jantar. Ele se responsabilizou pela moqueca de ostras, acompanhada de bananas da terra, pirão e arroz (foi isso mesmo, hermano? Me ajuda, pois a bebida me roubou a lembrança...), enquanto eu tratei de enfrentar o peixe e os legumes. Não tinha muita idéia de como preparar, pois não havia uma infra-estrutura que permitisse um mundo de possibilidades, o que me fez preparar o primeiro peixe assado na brasa, envolto de folha de bananeira e acomodado sobre telhas no fogo.

Fiz alguns cortes na pele do peixe e temperei com muito alho - eu disse muuuito alho -, salsa, cebolinha picada, sal grosso, pimenta e uma chuva de saquê. Deixei o peixe marinando durante um bom tempo e, enquanto isso, preparei duas formas cheias de legumes cortados à grosso modo, regados de muito azeite extra-virgem e sal grosso. Eram batatas, pimentões e cebolas em harmonia no meio de uma estética nada boa. Mais tarde, ao entardecer, fiz o fogo a meu modo (leia-se: sem técnica nenhuma) e coloquei o peixe envelopado nas folhas de bananeira sobre as telhas pra assar. Já os legumes, seguiram um caminho pouco seguro rumo ao forno precário do fogão da cabana.

No fim das contas, em meio a bebedeiras, fumaças das mais variadas espécies (lembrem, havia fogo lá!) e risadas altas, acabamos nos deparando com um jantar delicioso, cheio de gente boa reunida em torno de uma mesa bem decorada com folhas de bananeira, castiçais improvisados e flores. Digno de um orixá! Terminamos o jantar já bem altos e fomos rumo à praia onde ia rolar a festa de ano novo. Passamos a virada no meio do caminho, à beira-mar, abaixo do céu mais maravilhoso que qualquer astronauta possa imaginar. Quando chegamos na festa, tratei de ir logo ao bar. Algo me dizia que eu não duraria muito tempo. Dito e feito. Tava tão cansado de preparar a comida, correr atrás de telhas e tudo mais, que entortei a caneca e, em menos de duas horas, tava dormindo debaixo de uma árvore em meio à uma multidão de gente louca e animada.

Acordei descabelado com a ajuda de amigos, que também não estavam no seu melhor estado. "Xiiiii, hora de voltar pra casa, mais duas praias pela frente pra andar...". Deus me deu um peteleco na orelha ou não sei, mas fui tomado por uma energia arrebatadora, que me fez ir até em casa chutando água, dançando pro mar, saltitando e virando piada da multidão que seguia acabada pra casa. Terminei o evento com meia dúzia de lembranças, uma contusão no pé de ter chutado um monte de areia e muita risada das histórias que surgiram na roda de amigos que se formou logo em seguida que todo mundo acordou. Foi um amontoado de pequenos desastres, mas que resultou em um final de ano pra lá de bom! O que me fez acreditar ainda mais que o imperfeito é o melhor ingrediente pra se viver algo inesquecível.

4 comentários:

Anônimo disse...

"o primeiro peixe assado na brasa, envolto de folha de bananeira e acomodado sobre telhas no fogo."
= Jamie Oliver tupiniquim. :-)

Muito bom poder ler teu relato (ver que tu tá com um cabelo estranho), mas que continua com o mesmo astral e bom humor do tempo que trabalhamos juntos.

Vou passar a acompanhar de perto pra ver se aprendo algumas técnicas, já que agora também ando me aventurando sozinho aqui no Rio.

Abraços!

Anônimo disse...

delícia de ler.
bjs. Andrea C.

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...

" que me fez acreditar ainda mais que o imperfeito é o melhor ingrediente pra se viver algo inesquecível"
Faço minhas, suas palavras...
Que delícia ler tudo isso e poder relembrar cada momento gostoso que a Bahia nos proporcionou.
O peixe estava divino!